Em 1998, quando o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) entrou em vigor, o valor da multa leve representava 41% do salário mínimo e a gravíssima 147%, considerando o salário da época de R$ 130,00. Hoje, a multa leve representa 5,8% e a gravíssima 19%.
Isso explica, em parte, o aumento do número de infrações e, consequentemente, de mortos e feridos no trânsito brasileiro. Para simplesmente atualizar os valores de 1998, seria necessário aumentar em quase sete vezes o valor atual das multas.
No caso de dirigir sob efeito de álcool ou se negar a fazer o teste do etilômetro, a multa deveria ser de R$ 22.365,50 contra os atuais R$ 2.934,70.
Veja o quadro abaixo e entenda melhor.
Infrações | Leve | Média | Grave | Gravíssima | Multiplicador 3X |
---|---|---|---|---|---|
Valor em 1998 | R$53,20 | R$85,13 | R$127,69 | R$191,54 | Inexistente |
Salário Mínimo | R$130 | R$130 | R$130 | R$130 | R$130 |
% do Salário Mínimo | 40,90% | 65,50% | 98,20% | 147,30% | 0,00% |
Valor em 2025 | R$88,38 | R$130,16 | R$195,23 | R$293,47 | R$880,41 |
Salário Mínimo | R$1.518 | R$1.518 | R$1.518 | R$1.518 | R$1.518 |
% do Salário Mínimo | 5,82% | 8,57% | 12,86% | 19,33% | 58,00% |
Valor atualizado Fonte: SOS Estradas | R$621,21 | R$993,87 | R$1.491,02 | R$2.236,35 | R$6.709,05 |
Na prática, as multas leves, caso fossem atualizadas pelo salário mínimo, atualmente deveriam valer R$ 621,21, e não R$ 88,38. A gravíssima deveria estar em R$ 2.236,35, e não os atuais R$ 293,47. Para atualizar os valores seria necessário multiplicar por sete.
Considerando o fator multiplicador, que no caso de excesso de velocidade acima de 50% é de três vezes, o valor real seria de R$ 6.709,05, portanto, 7,6 vezes mais que o previsto atualmente, de R$ 880,41.
Multas por dirigir sob efeito de álcool ou recusar fazer o teste do etilômetro implicariam em multa de R$ 22.363,50, em vez dos atuais R$ 2.934,70, já que o multiplicador de 10 vezes, seria aplicado no valor atualizado de R$ 2.236,35, ao invés dos atuais R$ 293,47.
Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, atualizar os valores, simplesmente utilizando o critério do percentual do salário mínimo, seria um estímulo imediato à mudança de comportamento. “Duvido que, se a multa por dirigir sob efeito de álcool fosse de R$ 22.363,50, o comportamento dos condutores não seria diferente. O mesmo aconteceria com a multa de R$ 6.709,05 para quem dirige acima de 50% do limite da via.”
Valores das multas tiveram grande impacto quando o CTB entrou em vigor
A entrada em vigor do CTB em janeiro de 1998 apresentou resultados imediatos no curto prazo, enquanto as pessoas acreditavam que poderiam ser de fato punidas. Os valores das multas assustaram os motoristas da época. Com o tempo, o comportamento infrator foi contaminando novamente os condutores.
Em 1997, morreram nas rodovias federais 7.530 brasileiros e 65.678 ficaram feridos. Esse número caiu para 6.711 mortos em 1998 e os feridos para 60.886. Portanto, foram 819 mortos e 4.792 feridos a menos no primeiro ano do novo CTB.
Importante recordar que as rodovias eram praticamente as mesmas em 1998, em comparação com 1997, assim como a frota e os condutores. O que havia mudado era a sensação de punibilidade.
Nas rodovias estaduais de São Paulo, as mortes aram de 2.914 em 1997 para 2.502 em 1998, ou seja, 412 óbitos a menos. No somatório das rodovias estaduais de São Paulo e federais, foram poupadas 1.231 vidas.
Enquanto isso, somando o aumento de mortos nas rodovias federais e estaduais de São Paulo, considerando os dados de 2023 e 2024, tivemos 667 mortes a mais.
Mudanças no CTB aumentaram os pontos e beneficiaram infratores
Em abril de 2021, entrou em vigor o aumento da pontuação. Os infratores podem atingir até 40 pontos antes de terem sua CNH supostamente suspensa. Algumas infrações, como velocidade até 20% acima do limite, podem ser transformadas em advertência, quando cometidas pela primeira vez.
Desde abril de 2021, o limite de pontos depende do tipo de infração cometida, especialmente se houver infrações gravíssimas no período de 12 meses:
- 40 pontos: se não houver nenhuma infração gravíssima nos últimos 12 meses;
- 30 pontos: se houver 1 infração gravíssima;
- 20 pontos: se houver 2 ou mais infrações gravíssimas.
Exceção para motoristas profissionais (EAR – Exerce Atividade Remunerada):
Para condutores com a observação “EAR” na CNH, o limite é sempre de 40 pontos, independentemente da natureza das infrações. Além disso, têm direito ao curso preventivo de reciclagem ao atingirem 30 pontos, evitando a suspensão. Já existe projeto de lei para aumentar para até 120 pontos.
O limite de pontuação é considerado no período de 12 meses, contados da data da infração. Além disso, existe a possibilidade de transformar multa em advertência.
A advertência por escrito em substituição à multa é prevista no artigo 267 do CTB. Esse dispositivo foi alterado pela Lei nº 14.071/2020, em vigor desde 12 de abril de 2021, flexibilizando e automatizando sua aplicação em determinadas condições.
Condições para aplicar advertência por escrito:
- Infração de natureza leve ou média;
- Condutor não reincidente (sem nenhuma outra infração nos últimos 12 meses);
- A infração não pode ser gravíssima nem reincidente.
Um exemplo é dirigir até 20% acima do limite de velocidade. Assim, em um trecho com limite de 120 km/h, o condutor pode estar a até 143 km/h e receber apenas uma advertência.
Com a tolerância de 5% dos radares, isso significa que o motorista pode estar a 149 km/h e ainda receber apenas uma multa média. Sendo a primeira, poderá ser convertida em advertência.
Importante:
Com a nova redação do CTB, a advertência não depende mais da análise subjetiva da autoridade de trânsito – ela é obrigatória quando as condições forem preenchidas.
A suspensão por infrações como dirigir embriagado ou com excesso de velocidade acima de 50% continua valendo, independentemente da pontuação acumulada.
Real infrator é beneficiado com descontos por ser considerado “bom condutor”
A impunidade chega ao ponto de garantir descontos para criminosos do trânsito. Muitos condutores que participam de rachas têm seus veículos registrados em nome de empresas ou terceiros não habilitados.
Quando o veículo é flagrado por radar ou pela prática de racha, o condutor real não é identificado. Se o proprietário não indicar o infrator real, ele segue com “ficha limpa” e pode até ter direito ao desconto de 50% por ser considerado bom condutor.
Resolução facilita a vida dos potenciais assassinos do trânsito
Em 2020, foi publicada a Resolução 798/20, que obriga estudos técnicos para uso de radares portáteis, divulgação em site e sinalização específica. Além disso, o agente deve estar visível.
Na prática, isso inviabiliza o uso do radar portátil na maioria dos estados, já que os estudos não foram publicados e dizem não ter recursos para isso. A impunidade é garantida, até porque muitas autoridades delas se beneficiam, já que algumas também não respeitam os limites.
Radares fixos também são avisados por aplicativos como Waze e Google Maps. Infratores usam ainda detectores de radar ilegais.
Ao invés de revogar a Resolução 798/20, a Senatran promove campanhas como “Desacelere: seu bem maior é a vida”. Para Rizzotto, se a campanha fosse séria, revogaria a norma.
Em países como França e Espanha, há radares ocultos, drones, helicópteros e veículos não identificados registrando infrações. O resultado é a queda no número de mortes no trânsito desde os anos 1960.
Na Suíça e Finlândia, multas podem ser baseadas na renda. Há casos de penalidades superiores a R$ 7 milhões, como ocorreu em 2010 com um motorista sueco, flagrado a 290 km/h na Suíça. Na Finlândia, um motorista foi multado em 121 mil euros em 2023, aproximadamente R$ 840 mil, por trafegar a 75 km/h em trecho de 50 km/h.
Países como França, Reino Unido, Noruega, preveem até prisão conforme o excesso de velocidade e a forma de condução.
Criminosos do trânsito são celebridades nas mídias sociais
Há milhares de vídeos com motoristas identificados trafegando acima de 200 km/h ou praticando rachas em rodovias, veiculados no Youtube e outras mídias sociais.
Um exemplo é o canal Petrolhead, no YouTube, de um infrator identificado como Luan. Ele soma mais de 4 mil vídeos e 434 milhões de visualizações, cerca de 100 vezes mais que o canal da PRF.
Enquanto a PRF educa, ele estimula outros infratores. Seus vídeos não resultaram em suspensão da CNH ou prisão, como ocorre no Piauí com os praticantes de “grau” com motos, punidos pelo Delegado Zanatta.
Luan já itiu, em entrevistas, ganhos mensais de R$ 200 mil com publicidade no YouTube. Ele registrou uma empresa Ltda em 2021, e parte dos veículos deve estar em nome da pessoa jurídica, evitando penalidades diretas na sua CNH.
Seu próprio avô foi filmado por ele dirigindo acima de 200 km/h em rodovia paulista com uma Ferrari, sem ser incomodado pela Polícia Rodoviária Estadual.A impunidade é reforçada pela omissão dos órgãos de trânsito e do Ministério Público. A tendência desde 2019 é de piora.
Em 2020 , juntamente com a então deputada federal Christiane Yared, mais de 20 entidades capitaneadas pelo SOS Estradas e TrânsitoAmigo, apoiaram o PL130/20 que permitia utilizar as imagens dos infratores, que postam vídeos com as irregularidades e crimes que praticam, para puni-los pelo CTB.
Da mesma forma, as plataformas que não retirassem o conteúdo também poderiam ser responsabilizadas. Apesar do projeto ser aprovado no Plenário com 94% dos votos dos parlamentares presentes, foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Os vetos foram mantidos, tempos depois, pela base bolsonarista e toda bancada do PT, com exceção de uma deputada. O motivo foi a proximidade das eleições de 2022 e não interessava a ambos os grupos contrariarem as plataformas que colocou seus “lobistas da morte” para atuar e evitar punições. A impunidade uniu direita e esquerda.
Com isso o Google/Youtube, como seus pares, faturam com a visibilidade que esse tipo de vídeo gera, atingindo inclusive crianças. As plataformas são cumplices desse comportamento criminoso e sequer pode alegar desconhece-lo. No caso do Youtube os criminosos postaram orgulhosos placa de 100 mil e 1 milhão de seguidores com carta do CEO da plataforma parabenizando pelos números, conforme já comprovamos.
Metas não são cumpridas pelo governo
As metas de redução de mortes, defendidas pela Senatran, não são cumpridas nem pelo governo federal, que teve aumento de 10% nas mortes nas rodovias federais em 2024.
E campanhas como Desacelere, sem revogar a Resolução 798/20, só servem para políticos subirem no palanque e autoridades fazerem discursos e gerarem conteúdo para suas mídias sociais.
Por fim, no nosso país, o infrator conta com a tolerância da sociedade, autoridades e parte do Judiciário. Enquanto isso, os familiares das vítimas seguem recolhendo os corpos.
Fonte: estradas-br.msinforma.com
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