
Por Jivago Moretto Pedra*
Considerando que o desenvolvimento da Educação para o Trânsito por meio da instrução, treinamento e campanhas de conscientização é uma atividade relevante por parte dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, busca-se não apenas transmitir conhecimento teórico e prático, mas também convencer os usuários das vias a cumprirem as normas de trânsito. Dessa forma, embora o conhecimento e o treinamento sejam importantes, é necessário motivar as pessoas a não cometer infrações de trânsito.
O desenvolvimento de uma política tradicional de Educação para o Trânsito, voltada principalmente para crianças e adolescentes, pode ser fundamental para a formação do futuro condutor. No entanto, para os adultos, deve ser considerada uma abordagem ória. Se partirmos do princípio de que o comportamento dos condutores devidamente habilitados é um dos principais contribuintes para os sinistros de trânsito, a segurança viária é, em grande parte, um problema de motivação e não apenas de falta de educação. Comportamentos críticos, inseguros e até irregulares dos condutores são frequentemente deliberados, ou seja, são escolhas conscientes e não resultados de erros inadvertidos. A dissuasão do condutor por meio da fiscalização de trânsito é uma ferramenta educacional primordial para criar mudança de comportamento.
Por exemplo, no caso do excesso de velocidade, não é necessário ser mais habilidoso para conduzir a 110 km/h em um trecho limitado a 110 km/h do que para conduzir a 130 km/h no mesmo trecho. O problema não é a habilidade, mas a motivação. O excesso de velocidade quase sempre não é uma questão de falta de conhecimento: os condutores sabem o significado de um limite de velocidade, mas muitos optam por ignorá-lo. Alegar desconhecimento do limite de velocidade também é uma questão de motivação, pois muitos motoristas não estão motivados a conhecer o limite. O fato de condutores reduzirem a velocidade ao perceber (ou suspeitar) a presença de um radar ou viatura policial e acelerarem após arem por eles demonstra que sabem que estão irregulares e escolhem continuar assim. Da mesma forma, a ausência do uso de capacete ou cinto de segurança, dirigir após consumir bebida alcoólica, não é apenas uma questão de habilidade, mas também de motivação. Muitos motoristas embriagados alegam que precisarão do carro no dia seguinte ou citam o custo alto do táxi e a inibilidade do transporte público como motivos para dirigir sob efeito de álcool.
A fiscalização de trânsito proporciona a motivação necessária, servindo como uma ferramenta educacional eficaz através da aplicação da lei, que incentiva a não prática de comportamentos de risco, criando uma dissuasão pelo risco de ser abordado e consequentemente punido.
A Educação para o Trânsito deve oportunizar conhecimento, treinamento e conscientização, inclusive durante o curso de formação de condutores, quando o aprendiz é submetido a uma abordagem didático-pedagógica prevista na Resolução 789/20 do CONTRAN¹. Essa resolução define uma estrutura curricular com disciplinas essenciais e permite a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos para desenvolver habilidades. No entanto, focar apenas na formação das competências do condutor pode ser prejudicial e até aumentar a sinistralidade. Condutores que aumentam suas habilidades podem desenvolver excesso de confiança, assumir riscos e se envolver mais em sinistros de trânsito². No caso do excesso de velocidade, a avaliação psicológica incorreta do risco pode levar à falsa percepção de que o aumento da velocidade não gera um risco significativo de um sinistro grave. A rejeição interna do risco pessoal contribui para que a velocidade de viagem insegura se torne uma rotina normal.
Três mecanismos psicológicos estreitamente relacionados formam essa barreira: viés de otimismo, excesso de confiança e foco na experiência pessoal na avaliação do risco. Segundo Tali Sharot³, o viés de otimismo refere-se à tendência de superestimar a probabilidade de eventos positivos futuros e subestimar a possibilidade de eventos negativos. O excesso de confiança nas habilidades de dirigir está relacionado ao fato de que a maioria dos condutores acredita ser melhor do que a média: mais qualificados e seguros. A experiência pessoal reforça esse otimismo e excesso de confiança, pois erros de outros condutores são visíveis, enquanto os próprios erros são frequentemente desculpados ou não detectados. As experiências pessoais também diminuem a percepção do risco: muitos condutores que costumam exceder os limites de velocidade regularmente e nunca se envolveram em sinistros, acreditam que o excesso de velocidade é seguro para eles, levando-os a acreditar que os riscos são exagerados. A relevância crítica desses três fatores é que eles influenciam poderosamente a adoção de precauções versus a assunção de riscos. Motoristas que se consideram melhores, mais qualificados e menos propensos a causar um sinistro grave são menos propensos a ver o excesso de velocidade como um risco pessoal.
O problema para a segurança viária é que os mecanismos psicológicos mencionados descartam os riscos de um sinistro grave como motivação para evitar infrações de trânsito. Esta é a base psicológica para a eficácia comprovada de que a ameaça de aplicação da lei é mais eficaz na mudança de comportamento do que a ameaça de um sinistro. Não é lógico que as pessoas considerem mais grave ser parado numa fiscalização de trânsito do que ser morto ou ferido em um sinistro; em vez disso, muitas pessoas não acreditam que podem ser gravemente feridas no trânsito e, se isso ocorrer, tendem a atribuir a culpa ao comportamento de outro condutor, não ao seu próprio comportamento.
Em países onde a fiscalização e a presença ostensiva do policiamento são elevadas, os motoristas acreditam que têm uma alta probabilidade de serem flagrados por uma equipe policial ou pela fiscalização por câmeras de monitoramento, o que cria a sensação de que serão penalizados. No Comando de Policiamento Rodoviário de São Paulo, em especial no 4º Batalhão de Polícia Rodoviária, a Operação Direção Segura Seletiva – conceito “”4 demonstra sucesso na dissuasão dos condutores. Nesta operação, a fiscalização ocorre de forma efetiva por meio do conceito “”: Parou-Assoprou-Siga Seguro. A triagem ostensiva e de alto volume com o etilômetro seletivo, que realiza verificações rápidas sem necessidade de desembarque do condutor, é mais eficaz do que selecionar um único veículo para o teste do etilômetro ativo. Testes de alcoolemia aleatórios e em grande escala trazem a sensação de que, independentemente do entendimento do condutor sobre os riscos de dirigir sob efeito de álcool, ele pode ser parado e testado pela polícia, aumentando a certeza de ser penalizado.
1 CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO (CONTRAN). Resolução 789, de 18 de junho de 2020. Consolida normas sobre o processo de formação de condutores de veículos automotores e elétricos. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-789-de-18-de-junho-de-2020-263185648. Visitado em 25 julho de 2024.
2 MAGALHÃES, S. H. T., & LOUREIRO, S. R. Acidentes de trânsito e variáveis psicossociais – Uma revisão da literatura. Medicina, 40(3), 345-351, 2007.
3 SHAROT, Tali. O viés otimista: Por que somos programados para ver o mundo pelo lado positivo. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2016.
4 BUENO, Luodenir Gonzaga. ORDEM DE SERVIÇO Nº 4BPRv-559/03/21, de 05 de outubro de 2021. Operação Direção Segura Seletiva – conceito “”. Jundiaí, 2021.
(*) Jivago Moretto Pedra é capitão da Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo, chefe da Seção Operacional do Comando de Policiamento Rodoviário de SP, e mestre em Ciências pela USP.